quarta-feira, 4 de abril de 2012

A REEMISSÃO DE DIPLOMAS E CERTIFICADOS COM A FLEXÃO DE GÊNERO CORRESPONDENTE AO SEXO DA PESSOA DIPLOMADA

Foi publicada no dia 4 de abril de 2012 a Lei nº 12.605/2012, determinando o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas e certificados.
De acordo com o diploma legal agora incorporado ao extenso completo normativo pátrio, as instituições de ensino públicas e privadas deverão, obrigatoriamente, expedir seus diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, no que pertine à designação da profissão e do grau obtido, conforme expressamente determina seu artigo 1º.
Com isso, passaremos a conviver com bacharéis e bacharelas, licenciados e licenciadas, além de tecnólogos e tecnólogas, mestre e mestras e, por fim, doutores e doutoras.
Pelo disposto no referido artigo 1º, as instituições “expedirão”, ou seja, a expedição dos diplomas e certificados na forma estabelecida pela nova lei deveria ocorrer a partir de sua vigência, iniciada na data de sua publicação, como, aliás, previsto de forma clara em seu artigo 3º.
Infelizmente, não é bem assim...
Além de determinar a expedição dos diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente, a Lei nº 12.605/2012 foi além e, invadindo o tempo pretérito, determinou às instituições que, se solicitado pelos egressos já diplomados, promovam a remissão gratuita dos referidos documentos, com a devida correção.
Surge neste ponto a interrogação: correção de que?
Impositivo registrar que inexistia qualquer tipo de obrigação legal para que os diplomas e certificados fossem emitidos com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada antes do dia 4 de abril de 2012.
Ora, inexistindo norma legal específica determinando a emissão de diplomas com observância deste procedimento, força é admitir que as instituições de ensino superior não estavam obrigadas a emitir diplomas e certificados com a flexão de gênero.
Com efeito, o princípio da legalidade, insculpido no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal é absolutamente claro ao estabelecer a lei como único instrumento válido para impor obrigações ou restringir direitos, nos seguintes termos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
.....
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”. (grifamos).
Emitidos os diplomas em conformidade com as normas legais vigentes, que não exigiam a flexão de gênero, é evidente a conclusão de que os diplomas e certificados emitidos anteriormente à vigência da Lei nº 12.605/2012 estão absolutamente corretos.
A emissão de diplomas e certificados nessas condições configura, portanto, ato jurídico perfeito, porquanto foi ato praticado em estrita consonância com as normas legais em vigor na ocasião de sua prática, nos exatos termos do § 1º do artigo 6º do Decreto-Lei nº 4.657/1942, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, verbis:
“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.” (grifamos).
Praticado o ato de emissão de diplomas ou certificado em conformidade com as regras vigentes na ocasião e, portanto, configurado o ato jurídico perfeito, absolutamente descabida a determinação de reemissão gratuita de tais documentos sob o pretexto de promover a devida correção.
Seria devida a reemissão com tal fundamento caso houvesse havido a emissão dos diplomas e certificados em desconformidade com normas vigentes na ocasião em que foram expedidos, o que, segundo acima demonstrado, não ocorreu no caso em tela.
Ainda que assim não fosse, hipótese aceita apenas para estimular o debate, é absolutamente inequívoca a premissa de que as leis somente possuem eficácia a partir de sua publicação, sendo vedada, como regra geral, sua adoção com caráter retroativo.
A Lei nº 12.605/2012, ao determinar a reemissão de diplomas e certificados validamente expedidos antes do início de sua vigência, invade o império do ato jurídico perfeito, prevendo sua aplicação com caráter inequívoco de retroatividade, o que se mostra absolutamente incompatível com o ordenamento jurídico pátrio.
O já mencionado artigo 6º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 prevê expressamente que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral”, respeitado o ato jurídico perfeito.
Invadir a esfera do passado e pretender emprestar eficácia retroativa à norma legal, desconstituindo o ato jurídico perfeito é um flagrante atentado ao dispositivo expresso da Constituição Federal de 1988, cujo artigo 6º, inciso XXXVI, estabelece a seguinte garantia fundamental:
“Art. omissis
.....
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”. (grifamos).
Descabida, portanto, a previsão contida no artigo 2º da Lei nº 12.605/2012, uma vez que pretende, em flagrante violação ao disposto no artigo 6º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 e no inciso XXXVI do artigo 6º da Constituição Federal, invadir o passado e atingir de forma indevida atos jurídicos perfeitos, praticados em absoluta conformidade com as normas vigentes na ocasião em que restaram praticados.
Estamos, destarte, diante de mais uma lei que atenta diretamente contra disposição expressa da Constituição Federal e da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, invadindo o passado e tentando desconstituir atos legitimamente praticados antes de sua vigência.
Resta saber que providências adotaremos, ou se vamos, mais uma vez, permanecer inertes.

Um comentário:

  1. Prezado Dr. Gustavo M. Fagundes:
    Tomo a liberdade de ponderar que a 'reemissão gratuita' a que alude o artigo 2º da Lei 12650, de 3.4.2012, é FACULTATIVA, como explicitado no termo "PODERÃO REQUERER", diversamente da 'obrigatoriedade' se ali constasse "DEVERÃO REQUERER".

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